Climbing dreams

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Texto Mario Mele / Fotos Gabriel Tarso

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de junho de 2015)

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DEPOIS DE SE VER À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS, O PUBLICITÁRIO MINEIRO GUSTAVO ZILLER TENTA CONCLUIR UM PROJETO OUSADO PARA UM ALPINISTA AMADOR: CHEGAR AO CUME DA MONTANHA MAIS ALTA DE CADA UM DOS SETE CONTINENTES

ATÉ 2017, O PUBLICITÁRIO mineiro Gustavo Ziller, de 40 anos, tem uma ambiciosa missão: escalar a montanha mais alta de cada um dos sete continentes – Aconcágua (América do Sul), Kilimanjaro (África), McKinley (América do Norte), Elbrus (Europa), Carstensz (Oceania), Vinson (Antártica) e Everest (Ásia). Seu projeto de conquistar os chamados Sete Cumes é um desafio célebre no montanhismo, que ganhou fama depois que o norte-americano Richard Bass o concluiu pela primeira vez, em 1985. Hoje alguns escaladores profissionais chegam a subestimar os tais Seven Summits, com a justificativa de que montanhismo não se resume em subir as montanhas mais altas do planeta. Gustavo, alpinista amador, não se preocupa com essas polêmicas. Sua intenção com a empreitada é mostrar que seres humanos “normais”como ele – que não passam a vida toda em grandes altitudes – podem correr atrás de notáveis feitos outdoor.

Tudo começou com um “estalo” que ele teve no fim de 2012. Na época, Gustavo morava em São Paulo, tinha acabado de atravessar uma crise financeira e estava completamente afastado dos esportes. Até que um dia, em meio ao trânsito caótico da cidade, sofreu um surto de ansiedade que o obrigou a parar o carro. “Fiquei sem ar, tive uma crise de pânico”, diz. Assistindo àquela cena, um taxista emparelhou o carro e se dispôs a levá-lo ao hospital. Quando saiu o resultado do check-up, o médico foi direto: “Seu corpo acabou de dar o primeiro aviso. Se continuar sendo desleixado com sua saúde, é bem provável que você tenha um AVC ou um ataque cardíaco em breve. A decisão é sua”.

Gustavo tinha 37 anos, mas parecia bem mais velho. O estilo de vida sedentário que levava também já mostrava resultados: estava pesando 103 kg, cerca de 20 a mais que o normal. Três dias depois do piripaque, ouviu o primeiro chamado das montanhas. “Fui buscar meus filhos na escola e encontrei o [fotógrafo e jornalista] Caio Vilela, que eu já conhecia. Contei-lhe sobre o que tinha acabado de acontecer comigo e ele me convidou para um trekking ao campo-base do Everest, que aconteceria dali a sete meses e no qual Caio seria o guia.”Gustavo achou a ideia sensacional, principalmente porque uma viagem marcada o forçaria a se preparar. Em outras palavras, ele voltaria a se preocupar com a saúde. No mês seguinte, já vivia uma rotina à la triatleta: treinava duas vezes por dia e sua alimentação passou a ser orientada por um nutricionista.

O grupo que iria ao Everest não alcançou o número mínimo de pessoas, e aquele trekking acabou não rolando. Mas, já em paz com a balança, ele não recuou. Mandou-se para o Nepal, contratou um guia e um carregador locais e se jogou em uma expedição rumo ao campo-base do Annapurna, a 4.130 metros de altitude, a maior que chegara até então. “Lá percorri 140 km em 14 dias, sendo que em um dos dias começamos a andar às sete horas da manhã e só paramos às nove da noite. Chegamos ao campo-base, mas uma forte nevasca nos obrigou a voltar – um esforço que equivaleu quase a um ataque de cume”, compara Gustavo. “Sou um sonhador. Se eu conseguir inspirar minha família com esse projeto, terei dado um grande passo”, diz Gustavo.

Na barraca, ele aproveitou para ler dois livros sobre o Everest: o clássico No Ar Rarefeito, de Jon Krakauer, e o menos conhecido Escalando a Face Norte, de Matt Dickinson. Desde então, as montanhas não saem mais de seus sonhos. De volta ao Brasil, quis contar o que viveu no Annapurna, uma história que virou o livro recém-lançado Escalando Sonhos (R$ 45; tuvaeditora.com.br). Gustavo passou para o papel as sensações e os aprendizados adquiridos nos primeiros passos na alta montanha e termina o livro perguntando a si mesmo: “E agora, você vai levar isso para sua vida?”.

A RESPOSTA ESTÁ sendo escrita neste exato momento, enquanto ele se divide entre o “montanhista” e o “cara normal” para zerar a lista dos Sete Cumes: em fevereiro, chegou ao cume do Aconcágua e, ainda neste ano, pretende conquistar o Kilimanjaro, na Tanzânia, e o Elbrus, na Rússia. Como deixa claro a seguir, seu objetivo não é bater recordes, muito menos se tornar guia profissional. “Sou um sonhador. Se eu conseguir inspirar a minha família, e não apenas deixá-los com medo cada vez que eu vou para a montanha, terei dado um passo além na minha própria vida”, garante.

Em reuniões com o pessoal do canal OFF, acertou uma série de TV batizada de Sete Cumes. Isso lhe deu mais gás ainda. Em seguida, foi apresentado a Gabriel Tarso, que virou o cinegrafista oficial do projeto. E aí definiu um ambicioso cronograma para finalizar a façanha até 2017. Em fevereiro, conheceu o guia de montanha Maximo Kausch, um dos mais experientes montanhistas do Brasil. “Percebi, então, que não conseguiria escalar os Sete Cumes sem um profissional como ele por perto. No Aconcágua, o Maximo nos salvou de umas enrascadas. Gabriel sofreu de mal da montanha nível dois, com diarreia e dor de cabeça constante e, se não fosse o Maximo e suas técnicas de primeiros socorros, dificilmente chegaríamos ao cume”, conta Gustavo. A taxa de sucesso nessa montanha é de somente 30%, mas o trio conseguiu chegar ao topo logo na primeira tentativa. Agora Maximo será o líder das expedições e cuidará de toda a logística das escaladas do projeto. Em cada montanha, estarão Gustavo, Maximo e Gabriel, além de um guia local e cinco carregadores. “Estamos fazendo uma espécie de reality show nas alturas. Há tomadas de drone [equipamento voador que carrega câmeras] a mais de 6.000 metros de altitude.” Aqui, Gustavo conta mais sobre essa nova fase:

O treino “Para esse projeto, contamos com uma equipe de profissionais de ‘nível olímpico’ nas áreas físicas e médicas. Queremos escrever uma tese científica para mostrar como deve ser a preparação mais adequada para uma pessoa que deseja subir uma montanha acima de 6.000 metros. Até o Maximo vai participar. Consegui uma esteira que inclina 30%, praticamente o mesmo grau de ataque em uma alta montanha. Faço treinos de intensidade, carregando mochila e um cinturão com peso. É um treinamento assistido pelos preparadores físicos.”

Os fortes

“Sou bem resolvido: entendo que, durante determinado período, estarei ferrado porque será privação absoluta. Não me importo, por exemplo, em dormir ou comer mal, em não ir ao banheiro direito. Consigo entender que será durante um período específico, e isso me ajuda no lado psicológico. Quando acontecem pequenos problemas que geralmente incomodam a maioria das pessoas, para mim tanto faz. Serão 15 dias assim? Beleza, vamos nessa. Estou muito bem preparado para esse tipo de situação, é uma coisa que aprendi no exército. A escassez é necessária quando se quer cumprir determinados objetivos. E, na montanha, é escassez e privação do início ao fim.”

Os fracos “Ainda não estou pronto para certos desafios. Na Pirâmide de Carstensz, na Nova Guiné [ponto culminante da Oceania], há uma sessão de escalada em rocha em um paredão de 500 metros. Apesar de não ter trechos negativos, estamos falando de um big wall de sexto grau – não é dificílimo, mas também não é fácil. Estou confiante, porque meu treinamento será com os irmãos mineiros Jean e Ian Oriques, destaques da escalada esportiva no Brasil. Também tenho que melhorar minhas técnicas de gelo. Para isso, farei um curso com o Maximo no Huayna Potosí, na Bolívia.”
Além da TV “Eu e o Gabriel vamos lançar um livro de fotografia de cada expedição; inclusive já estamos produzindo o do Aconcágua. A ideia é lançar também uma edição final, com fotos compiladas de todos os cumes.”

O Everest “Pretendemos finalizar o projeto Sete Cumes em 2017, no Everest – isto é, se a montanha estiver reaberta e em condições para isso [durante o terremoto que ocorreu no Nepal em maio deste ano, o campo-base do Everest ficou parcialmente destruído, e as expedições por lá foram canceladas]. Acredito que o Everest está à beira do desrespeito, com muitas expedições comerciais e excesso de gente. Por isso, em vez de escalar essa montanha, podemos prestar uma homenagem a ela subindo outro cume dos Himalaias. Pouco antes de morrer, em 2008, o [alpinista neozelandês] Edmund Hillary, que fez a primeira ascensão bem-sucedida no Everest, disse que a montanha deveria ficar fechada por pelo menos cinco anos, para que fosse reestabelecido o equilíbrio entre a natureza e as expedições comerciais. Isso faz muito sentido até hoje.”

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